terça-feira, 8 de setembro de 2009

Meia-idade.

Quase-idealiza, quase-suspira, quase-borboleteia. É só que essa história de viver contos de fadas deturpados, arco-íris em escala de cinza, anda tão last week quanto viver o real. Contos nos quais o príncipe encantado sempre acaba vindo não no cavalo branco, mas das mãos do barman que implora de si para si para que a bêbada-solitária-ridícula-com-tendências-depressivas-que-sempre-fica-até-o-bar-fechar vá embora antes das quatro da matina hoje, porque ele tem de ir para casa, mulherzinha-dona-de-casa-medíocre espera por ele. Viu só? Até a porcaria do garçom semi-alfabetizado tem para quem voltar, e você aí, bêbada, chapada, ferrada. E a tua formação? E teus livrinhos que ensinavam o que é amor? Florbela, Camus, Woolf, estivessem vivos, te dariam uma bela cuspida nessa massa desforme que se tornou teu rosto. Lirismo, pro inferno com o lirismo, lirismo para quê? Para chegar nos quarenta velha, acabada e tudo quanto você viveu não existiu, nunca foi algo ao alcance das mãos. Também não foi nada que te fizesse viver uma realidade dessas bem gauche, Amélie Poulain da vida. Sonhando demais para viver o real, acordada demais para viver o sonho. Clichè, clichè, clichè.
Anda, rasteja, carrega esta carcaça pela noite suja, próximo bar, flashes de mãos, bocas, peitos. Sarjeta, senta, acende um cigarro amassada, se declara para o garçom, fala de Lispector, canta Chico, pede para ser a mulherzinha-dona-de-casa-medíocre dele. Patética. And he told me all romantics meet the same fate, someday, cynical and bitter and boring someone in some dark cafe, Joni Mitchell rasga os teus ouvidos, acorda, enxuga a baba do rosto. Vai, cambaleante pelas ruas imundas que se confundem com o teu próprio semblante, vai pelo caminho mais longo, dobra e desdobra ruas iguais, quando não se tem para quem voltar, não se tem razão para voltar. Mas as ruas vão se acabando, entre devaneios, tragadas e sombras. Agora é tarde, tudo se perdeu, azedou, murchou, então vai, tenta girar a chave, entra, lava esse rosto, toma prozac. E quase-vive, assim, perdida, azeda, murcha.

10 comentários:

Rodrigo da Silva disse...

Ananda, eu confesso que fiquei assustado com o teu talento!

Virgínia disse...

Ananda, minha pequena, a cada dia mais talentosa, a cada dia mais mais.

Unknown disse...

Meu orgulho. (L)

Pedro disse...

e ela é mais que meu orgulho. é minhas cores.

Michel Domenech disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Michel Domenech disse...

Às vezes, temos essa sensação de que o comum está incrivelmente acima de nós. Mas no fundo, sabe-se que não é verdade, a diferença é que a dona de casa mesquinha vai fazer todo santo dia a mesma coisa, e os resultados serão sempre os mesmos, limpará algo que amanhã sujo estará novamente. Em contrapartida, tua rotina pode girar em torno de livros, por exemplo; porém, as histórias e os conhecimentos ali adquiridos não vão sumir, tendo de ser resgatados no dia seguinte, porque irão te acompanhar.
Fica impossível voltar a uma vida medíocre após sair da caverna, as sombras perdem totalmente o sentido, sendo assim, se na luz há certas doses de infelicidade, na escuridão só haverá desdita. Como disse Bertrand Russell: "Não tenhas inveja daqueles que vivem num paraíso dos tolos, pois apenas um tolo o consideraria um paraíso."
Sabe que eu gosto sobremaneira dos teus escritos, né, Anandinha? Me avisa quando tiver mais, beijão.

.Fyl. disse...

Minha amiga arraza néé u.u
Moça talentoza e não é pouco não, adorei o texto vaquinha muito mesmo, e gostei do coment. do carinha aqui emcima tbm

Lídia disse...

Sai dessa vida de geógrafa e lança logo um livro, sua linda. ¬¬

Natyelle. disse...

ela é da equipe agora - salve-se quem puder \O/

brincannnnnnnnndo, logico logico
se garantiu, indie-bossanova ;*

DiRenan disse...

Relatos da vida real é?
Ta bem conservadinha pra quem tem quarentinha já...
=D
Escreve muito bem pacas nandinha, desde o tempo em que tinha um "M" no nome.