quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Da estação.




(Para ler ao som de Marisa)

Eu vou, assim, de chinelos, sem pintura, cabelo preso, roupa de brechó, mas vou, eu sei que vou. Para te ver chegar de cabelo desgrenhado, olheiras e casaco manchado de café. E sentindo a cabeça pesar eu vou murmurar: "Meu Deus, como ele é lindo! Assim, tão magro e com barba por fazer". E você vai parar, me olhar e esperar que eu te diga o quanto eu senti a tua falta, de como o céu andava cinza sem você e dos abraços que o vento me deu e que eu fingia serem teus. Porque é o que eu sempre fiz, o que eu devo fazer. E então eu vou te levar para minha casa, te fazer um café, você vai me falar das cidades, dos costumes, dos museus. Eu vou te acender um cigarro, te ouvir, sorrir. Como tudo pode ser sempre tão sobre você? E então eu vou ter uma inveja irracional dessas cidades, de como elas te tocaram de uma forma louca e intensa que eu nunca consegui. Acho que isso, e é tão estranho e me dói tanto a metamorfose do nós em isso, sempre foi unilateral, mas eu andava míope, cega de mim, do mundo, era tudo você.
Não sei, acho que o vento parecia me abraçar porque você é um tipo de extenso dele. Sempre foi, eu abria a janela, você entrava, de ímpeto, me envolvia, me tocava, ia embora, me dilacerava. Levava tanto de mim e me deixava tão pouco de você. Sabe que eu acho que você acabou me roubando de mim? Sim, eu sei, eu e minhas filosofias românticas de mesa de bar, mas roubou mesmo, roubou minhas borboletas no estômago, meu colorido, meu senso. Talvez você sempre foi mesmo uma idealização minha, o meu ausente, o meu Gonçalves Dias, eu tua Feliciana, com cada uma das piores, ou não, loucuras próprias do que se perderam depois de encontrar alguém. Eu te esperava, murchava. Sans toi n'a pas de sens, sans toi n'a pas de sens, sans toi n'a pas de sens, sans toi, vem ecoando na minha cabeça, como uma dessas músicas vadias, me perdia nesse lugar-comum de desventuras, imaginava mil (un)happy enddings para nós, trágicos, dramáticos, lindos surreais. Sempre com você, por você. Como tudo pode ser sempre tão sobre você? Espera, deixa eu me voltar umas páginas, onde exatamente eu virei coadjuvante do meu próprio show? Não sei, whatever, isso é o que nós somos, isso é o que nos resta. Nós somos isso, só isso.
Eu vou, assim, de chinelos, sem pintura, cabelo preso, roupa de brechó, mas vou, eu sei que vou. Para te ver chegar de cabelo desgrenhado, olheiras e casaco manchado de café. E sentindo a cabeça pesar eu vou murmurar: "Meu Deus, como ele é lindo! Assim, tão magro e com barba por fazer". E eu vou te dizer, da falta, do céu e dos abraços do vento.

17 comentários:

Rodrigo da Silva disse...

suas filosofias românticas de mesa de bar são realmente encantadoras. parabéns pelo texto! (:

Anônimo disse...

Texto maravilhoso fez eu lembrar de alguns momentos da minha vida até viajei, exelente post.

Turma 8 Delphos disse...

Viajei nas lembranças..Muito bom!

Manoela disse...

Dona Pandinha, arrasou!

Arthur disse...

Ananda cara de panda, eu li e entendi tudo: "tão magro e com barba por fazer" Conheço alguém exatamente assim :)

Mulher na Chuva disse...

Meusdeus... que texto lindo!!!!!!

Sou da comunidade, mas tenho estado pouco lá... vi o Blog agora, li os textos acima... Todos encantadores... mas esse sei lá... tão poético e tão existencialista!!

Parabéns!

Lia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Nah disse...

Ananda dança com as palavras...Lindo!

Pedro disse...

Nah disse tudo. O que me encanta nesse texto é a dança que as palavras criam. Li e re-li dezenas de vezes, já quase decorei, mas a cada vez, sinto a dança, a poesia. Enfim, sempre me toca, me faz sentir.
Parabéns, doce Ananda.

Infinito Particular disse...

Nanda, Nanda. Viajei com seu texto, lindo, encantador. Como a Nah disse, você dança com as palavras, e me passa uma vontade imensa de dançar em meio a essas palavras também. Parabéns, mana.

Natyelle. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Natyelle. disse...

Ananda se garante assim mais-que-demais x)

Anônimo disse...

Amei!

DiRenan disse...

Me senti lisonjeado Oompa-Loompa.

Virgínia disse...

Por isso que eu tenho tanto orgulho dessa coisinha pequena e gigante. (L)

Anônimo disse...

Mulher com razão!! Me mata de orgulho, adooooorei. Coisa amelistica que amo.

Ananda Andrade disse...

Ah, obrigada mesmo, gente!
Renan, te desprezo. ¬¬