quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Representação.

Mãos engorduradas, poeira na barra da calça e alguns chapéus. Suor e abraços hipócritas por todos os lados. Um pandeiro ricocheteando sob a mão calejada – viola, sanfona e essas duas vozes tentando se casar no ar parado e cheio de risadas – tudo amplificado por um humilde sistema de som. Garrafões de cachaça saltando de mesa a mesa, copos de plásticos, carne mal passada, crianças lambuzando a cara nos pratos – e mais risadas. Mulheres mal vestidas enroscadas nos braços troncudos de sujeitos acostumados ao sol. Entorno da churrasqueira de tijolos um homem ajeita os espetos carregados de picanha, asa de frango, pernil de porco, depois enxuga a testa com o braço, apanha um copo perto do chão, bebe um longo gole, então para, pega uma garrafa no chão, e joga água nas labaredas que brotam da brasa. Toma mais um gole, revira um espeto – e come um pedaço de carne já fria que restou no seu prato. Uma mulher se aproxima, agarra-lhe o braço, o copo deixa escapar um pouco da bebida, ela insiste, ele diz alguma coisa apontando para os pedaços de carne acima da brasa, ela ignora, com os braços já envolvidos no seu corpo, dançando apesar da resistência. Então ele se solta, e rodopia a mulher, o sapato frigindo o chão de terra. Aos poucos juntam- se ao grupo de casais concentrados na dança. Ao fundo, na sombra de uma pequena varanda, que recebe uma faixa com as inscrições: “Mudança pra valer!!!”, uma meia dúzia de homens de camisas bem passadas, com esposas de cabelos tingidos e esticados, tomam cerveja e uísque importado em copos de vidro. São os líderes do partido, fazendeiros, comerciantes, alguns vereadores – dividindo a atenção do candidato, seu Augusto. Larissa cuida de encher o copo do marido, de sorrir bastante para todos os convidados, de andar de um lado a outro da festa com suas pernas brancas de fora perguntando se tudo está bem, se está faltando alguma coisa. Como é que eu iria me sentir ameaçado com toda essa naturalidade, falta de culpa e segurança que ela deixava transparecer?
- É muito arriscado – eu disse ao telefone quando ela me contou da festa, que se tratava de um evento político - o partido iria comemorar a decisão da escolha de Augusto Tavares como candidato; a propósito disso eu seria convidado, porque meu pai foi um dos fundadores do partido e eu e meu irmão somos filiados.
- Você não tem que se preocupar com nada, eu lhe garanto. Ninguém desconfia de nada. Se você começar a evitar esses eventos, aí sim, vai levantar suspeitas... - fez uma breve pausa do outro lado da linha: Você vem?
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continua aqui...

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Surtada

1, 2, 3... testando!
Testanto!
Ssssssom!
Ssssssssssoooom!
Pode falar? Ok. Ok...
Cof... cof...
Assim, é a primeira vez que eu falo em público e eu to nervosa. Minha voz tá tremelicando, sabe? Eu to tonta, acho que minha pressão caiu. Pressão cai fácil, né? Poxa... É calor, cai a pressão, é frio, cai a pressão. Eu num sei como acontece isso, não. Coisa de doido!
Mas eu vim aqui, não falar de pressão, mas de depressão. É, vim dar meu relato aberto, assim, ao público.
Dia desses, eu tava numa livraria, na verdade devia ser chamada de revistaria, porque eu vi lá mais revista que livros. Mas assim, tinha uma revista de uma entrevitsa com uma mulher famosa aí, Fernanda num sei do que. Aquela que fez... Fez ou escreveu, num lembro... Os Normais. E ela dizia que hoje em dia, nos tempos modernos, quem num tem depressão é que é esquisito.
Tá, eu fiquei ali pensando um pouco sobre aquilo. Na verdade, refletindo (refletir é mais chique que pensar). Aí, eu achei que até que ela tá certa, sabe? Acho que esses psicólogos nunca faturaram tanto quanto nos dias atuais. E os remédios nunca foram tão karatekas assim... (Acho essa alusão ótima pra falar sbre tarja preta... hehehe). Né? Olha só, aqui, nesse auditório lotado, com esse microfone falhando (inferno!) eu olhei na cara de cada um enquanto eu dizia o que li na revista e se eu vi duas pessoas que não fizeram 'sim' com a cabeça é muito.
É, gente... É normal. Amor te largou? Depressão. Perdeu o emprego? Depressão. Se desiludiu com seu grande sonho? Depressão, depressão, depressão. Ter depressão tá tão comum quanto queda de pressão... (Depressão - de pressão... hã? hã?...hehehe). Na verdade, olhando bem, isso aqui nem se parece com um auditório e não sei porque é que tem gente me olhando. Na verdade, eu to é me sentindo um bagaço de tão sozinha. Na verdade comparar vocês que passam, a um público que me assiste é péssimo. Comparar os restos da banca de jornal a uma livraria é pior. Comparar essa merda dessa coxa de frango com um microfone me faz sentir o que eu realmente sou: só.
Só. Aqui, embaixo desse poste que nem luz acende mais (já acho que nem o poste vai com a minha cara), olhando esse monte de carro passar, sonhando com a volta pra casa - se eu ainda tiver um lugar que eu possa chamar de casa. Estou só há três dias. Desde o dia que ele me deixou e jogou na minha cara que nunca me amou. E isso me faz pensar, ou melhor, refletir, que eu estive só durante um bom tempo da minha vida. Eu é que não queria ver. Eu é que estive cega. Eu é que... me enganei.
E, sim... Isso, sim, pode ser chamado de depressão. E é aí, que, enfim, meu sorriso se abre. Porque? Porque eu olho pra sua cara, é pra sua que passa na minha frente e ignora o que eu digo, e vejo que você também tem essa tal de depressão. Seja qual for o motivo. Eu estou sozinha com a minha dor, ela é unicamente minha, mas não estou só no mundo! Ahahahaha... Ahahahahaha...
Ahahahahahahahahhahahahahahahahahhahahahahaha....

(Continua andando pela rua e gargalhando, atravessa a av. São João e vai dando passadas pesadas e largas... Até perder-se da vista dos poucos que a observavam...)

domingo, 8 de novembro de 2009


...No fim o que restara era a imagem daquela mulher com um olhar itenso,calada, mas que a todo instante grita pedido pro mundo deixa-la sozinha...apenas ela e a dor de se sentir pequena,enganada,frágil...dor que quanto mais ela tentava inutilmente tirar de dentro de sua alma (atravéz de bebidas,cigarros e pessoas estranhas) mais fincava suas raizes dentro dela,lhe dilacerava o peito de forma tão brutal a ponto de ela só querer senti-la até o fim, para depois de tudo sentir o recomeçar se aproximando.O seu grito de silencio,grito do olhar é o primeiro passo para esse recomeçar, é o luto no qual ela se fecha e deseja apenas deixar de ser atormentada pelo mundo...

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Sobre a nostalgia


por: outro

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O Antes.


Antes da chuva parar, ela fica mais forte. Antes da lâmpada queimar, ela brilha o máximo possível. Antes do copo quebrar, ele insiste em ser absurdamente sólido. Antes do gás do forno acabar, as chamas crescem e queimam mais. Antes do fim da melodia há o silêncio para a última nota. Antes da última palavra do soneto há o sentimento condensado em versos. Antes do sentir há o estar distraído. Antes do amar há, apenas, o não amar.

Antes da vida há a ideia. Antes da ideia há o talvez. Antes do talvez há a dúvida. Antes da dúvida há a certeza. Antes da certeza há o porque. Antes do porque há o para que. Antes do para que há o motivo. Antes do motivo há a necessidade. Antes da necessidade há a falta. Antes da falta há a perda. Antes da perda há o ter. Antes do ter há o procurar. Antes do procurar há o espaço. Antes do espaço há o tudo. Antes do tudo há o nada. Antes do nada, há.