sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Romance do amelístico Marcos Vinícius Almeida inspira-se nos conflitos da geração pós-moderna

Por Milena Pereira Silva

“Uma casa com chaminé e internet. Uma casa que cresceu, assim como eu também cresci, pelo menos das pernas e tive que abandoná-la. Mas não moro mais na minha casa. Não tenho mais quarto. Quando estou por lá tenho que dormir no quarto da minha irmã mais nova. A mais velha já casou. Mas de alguma forma eu insisto em permanecer. Um cigarro teimoso que não se apaga. Como minha mãe insiste com as panelas de ferro, e meu pai com fogão de lenha e as galinhas caipiras.”

A temática conflituosa que envolve a travessia da adolescência para a idade adulta é recorrente na literatura. O que não é recorrente é este tema ser abordado do ponto de vista masculino. E este é o diferencial do romance Inércia, do jovem escritor mineiro Marcos Vinícius Almeida. Através do olhar do narrador-personagem Juan, jovem estudante de filosofia de vinte e poucos anos, somos convidados a revivenciar experiências de uma adolescência nostálgica, que provoca, seduz, convida e, paralelamente, desafia a um embate, um conflito.

Juan recorre insistentemente ao passado, como forma de escapar à engrenagem circular que o prende a carrocéis vivenciais subterrâneos. Cada ato, gesto, pensamento parece contido numa trama que ultrapassa o indivíduo singular. Dessa forma, implicitamente, o romance realiza um flerte sutil diante da antinomia determinismo x liberdade, aqui encarnado, em sua totalidade na vida medíocre desse sujeito comum, provinciano, pequeno burguês. Acorrentado em amarras surdas: o presente imóvel, o passado sedutor e um futuro sem perspectiva, o jovem encontra refúgio na perfeição de uma paixão idealizada, na projeção de uma figura ideal e abstrata que não pode realizar-se no cotidiano prático. Contudo, quando cai em si, cá está sozinho no quarto, preso num filme que se repete, o cd enganchado no aparelho repetindo de maneira irritante o mesmo trecho de uma música que já se cansou de ouvir: Lúcia dormindo na cama, e ele: “Sem camisa. Cinzeiro cheio. No computador parafraseando Leibniz”. Ora portando-se como um menino, ora como homem, vivendo de forma visceral a solidão a dois, a personalidade de Juan se configura de maneira contraditória.

Além disso, Juan incorpora os conflitos da geração pós-utópica, o hibridismo do homem pós-moderno, que convive com tradições provincianas e subprodutos da época. Jogado num mundo onde o progresso tangencia a desordem, descrente frente ao saudosismo das práticas anacrônicas do ambiente acadêmico, pseudo-politizado, Juan ri, dissimula, ironiza, desloca-se nesse vão histórico sob nossos pés com leveza.

Costurando a estética com frases curtas, que lembram "O estrangeiro" de Camus, focando objetos soltos, o livro produz imagens cinematográficas que levam o leitor a devorar cada página com prazer e leveza. No ponto mais tenso da narrativa, mergulhado em flashbacks , fragmentados, o leitor oscila junto a Juan, como um pêndulo caótico, perturbador; até espatifar-se num final surpreendente. Inércia revela tudo o que os grandes clássicos da literatura têm de melhor: a condição encorada no comum universal, leitura agradável, estilo singular e força narrativa.


Inércia
– 1ª Edição
Julho de 2009
ALMEIDA, Marcos Vinícius
ISBN: 978-85-60620-67-8
Editora: Multifoco-RJ
Gênero: Literatura Brasileira/Romance contemporâneo
136 páginas.

1 comentários:

Anônimo disse...

jabá?